sábado, 8 de outubro de 2011

Direito do Consumidor–Orçamento Prévio (Hospital-Paciente)

 

Bom dia Defensores,

Sexta-feira é um excelente dia para estudos. Estamos chegando perto do final de semana e alguns irão aproveitar para descansar e outros para correr atrás do conteúdo, já que a cada dia o concurso está mais perto.

Hoje trataremos de algo que é objeto do Defensoria Pública quase todos os dias. É o direito do consumidor no interior de Hospitais. Há Estados em que foram alocados Defensores Públicos dentro destes nosocômios, principalmente porque por diversas vezes há desrespeito ao contido na norma protetiva da coletividade.

Assim, o caso de hoje diz respeito ao Orçamento Prévio:

  • ATENDIMENTO EMERGENCIAL HOSPITALAR. DESNECESSIDADE. PRÉVIO ORÇAMENTO.
  • O conjunto fático-probatório colhido nas instâncias ordinárias demonstra que o recorrido passeava com sua filha quando ela teve convulsões e, após parar em um posto de gasolina, ambos foram conduzidos por policiais a um hospital privado que prestou atendimento emergencial. Não há qualquer dúvida de que houve a prestação do serviço médico-hospitalar e de que o caso guarda peculiaridades importantes, suficientes para o afastamento, em proveito do consumidor, da necessidade de prévia apresentação de orçamento prevista no art. 40 do CDC, uma vez que incompatível com a situação médica emergencial. Também é inequívoca a existência de pactuação tácita entre o hospital e o pai da menor, que, inclusive, acompanhou-a quando da internação. Assim, não se pode afirmar que não houve contratação apenas por não existir documentação formal da pactuação. A exigência de que o serviço médico-hospitalar fosse previamente orçado colocaria o hospital em posição desvantajosa; pois, se assim fosse, em razão da situação emergencial da paciente, o hospital e seus prepostos estariam sujeitos à responsabilização civil e criminal, pois não havia escolha que não fosse a imediata prestação do socorro médico. Assim, a Turma deu parcial provimento ao recurso especial para anular o acórdão e a sentença, determinando o retorno dos autos à primeira instância para análise dos pleitos formulados na inicial, avaliando a necessidade de produção probatória, dando, todavia, por superado o entendimento de que, no caso, não cabe retribuição pecuniária pelos serviços prestados diante da falta de orçamento prévio e pactuação documentada. REsp 1.256.703-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 6/9/2011.

Como se pode observar, o Juízo Singular e o Tribunal de São Paulo reconheceu que a ausência de orçamento prévio impedia o pagamento das custas hospitalares. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que este argumento não merece prosperar porque o Hospital estava diante de uma impossibilidade de fornecer o orçamento e, ainda, um parente do consumidor acompanhou todo o procedimento e, em momento algum, questionou a adoção das medidas de urgência.

O artigo 40 do Código de Defesa do Consumidor prevê:

  • Art. 40. O fornecedor de serviço será obrigado a entregar ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços.

Ocorre que no caso vertente foi utilizado um princípio geral de direito (vedação ao enriquecimento sem causa) que está previsto nos artigos 876, 1.216, 1.220, 1.255 e outros do Código Civil:

  • Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe aquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
  • Art. 1.216. O possuir de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.
  • Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias;
  • Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Entretanto, apesar do Superior Tribunal de Justiça ter considerado a desnecessidade de orçamento prévio, é inquestionável que há obrigação do Hospital de informar a forma de internamento, se particular, conveniado ou pelo SUS. Isto porque é direito do consumidor optar pelo tratamento hospitalar por via pública, o que no caso em tela não é tratado. Assim, colhi uma jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná para mostrar que o vício do consentimento pode acarretar na nulidade do contrato firmado com o Hospital, o que futuramente pode ser aplicado no caso analisado pelo STJ.

  • APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA DE DESPESAS MÉDICO-HOSPITALARES. PARENTE QUE ASSINA CONTRATO DE INTERNAMENTO HOSPITALAR NA MODALIDADE PARTICULAR NA INTENÇÃO DE AUTORIZAR O ATENDIMENTO DA PACIENTE INTERNADA NA EMERGÊNCIA EM ESTADO GRAVE. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS REFERENTES AO DOCUMENTO APRESENTADO PARA ASSINATURA E QUANTO À MODALIDADE DE INTERNAMENTO. CONTRATO FIRMADO SOB COAÇÃO MORAL - IMPOSSIBILIDADE DE GERAR EFEITOS JURÍDICOS. RECURSO PROVIDO.
    (TJPR - 11ª C.Cível - AC 334205-6 - Maringá -  Rel.: Des. Cunha Ribas - Rel.Desig. p/ o Acórdão: Des. Cunha Ribas - Unânime - J. 12.03.2008)

Em suma, no caso acima transcrito a paciente estava em uma maca quando uma familiares chegou e lhe foi solicitado que assinasse um contrato para que ela se submetesse a diversos procedimentos cirúrgicos. Apesar do Hospital ser conveniado ao SUS, o tratamento foi pago como se particular fosse e, portanto, ensejou a referida ação de cobrança. Consta do Acórdão que uma testemunha presenciou o momento em que a requerida assinou o contrato, sem que nenhuma informação a respeito do tratamento particular fosse dada.

Segundo o Desembargador, no caso em tela ocorreu abuso do Hospital, notadamente em razão da ausência de transparência, nos termos do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 1990). Aproveito a oportunidade para transcrever todo o artigo 51:

  • Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
  • I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;
  • II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;
  • III - transfiram responsabilidades a terceiros;
  • IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
  • VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;
  • VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
  • VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
  • IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;
  • X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;
  • XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
  • XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
  • XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;
  • XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;
  • XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;
  • XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

O Eminente Relator destacou que no caso o Hospital sequer colheu a assinatura de duas testemunhas ao contrato que certamente poderiam atestar a forma como foi assinado. Assim, por unanimidade, a Câmara entendeu que houve COAÇÃO em razão da assinatura ter sido aposta em momento de sofrimento de familiar sem provas de que o tratamento seria feito de modo particular, embora o Hospital fosse conveniado ao SUS. Passo a tratar da coação:

O artigo 151 do Código Civil prevê:

  • “Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.
  • Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação”.

Analisando-se o artigo acima, pode-se dizer que são requisitos da coação:

  • a) Causa determinante do ato;
  • b) Grave;
  • c) Injusta;
  • d) Diz respeito a dano atual ou iminente;
  • e) Constitui ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima ou pessoa de sua família.

Conforme disposição do artigo 178 do Código Civil, é anulável o negócio jurídico viciado por coação exercida de maneira moral (isto porque quando for física a doutrina entende que inexiste negócio jurídico), tendo o prazo de 04 (quatro) anos para ser pleiteada:

  • Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
  • I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;
  • II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
  • III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

É isso. Dúvidas? Comente!

Até a próxima Defensores.

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