segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Filiação Socioafetiva - Julgado do STJ

Ilustres Defensores,

Hoje o assunto será investigação de paternidade:

  • INVESTIGAÇÃO. PATERNIDADE. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PARTILHA.
  • Trata-se de REsp decorrente de ação originária de ação de investigação de paternidade e maternidade socioafetiva cumulada com petição de herança e ratificação de partilha. In casu, a ora interessada, autora da referida ação, foi acolhida pelos pais adotivos do ora recorrido quando tinha quatro anos de vida, entregue por sua mãe biológica, que não tinha condições financeiras de criar a filha e seus quatro irmãos. Seu registro civil foi providenciado pela mãe biológica somente quando ela já tinha quase seis anos de idade, após solicitação do casal, tendo em vista a necessidade de matricular a criança no ensino regular. O convívio dela com o casal, no mesmo lar, perdurou por 16 anos, terminando apenas com o casamento dela, quando tinha 19 anos de idade. Em 1995, o pai adotivo do recorrido faleceu e, aberto o inventário, cuja inventariante foi a mãe adotiva, nada foi repassado a ela a título de herança. Nesse contexto, entendeu a Min. Relatora que, na hipótese, conspira contra o reconhecimento da filiação socioafetiva a constatada guarda de fato que se depreende da manifesta ausência de atitudes concretas do casal de reconhecer a ora interessada como sua filha adotiva, fato que ganha ainda maior relevo quando comparado com a situação do recorrido, que foi adotado pelo casal. Observou que, mesmo pairando dúvida quanto à natureza efetiva das relações existentes entre o casal e a interessada, o óbito do pai adotivo do recorrido e a subsequente realização do inventário, que teve como inventariante a esposa guardiã dela, trouxeram elementos de certeza no que já era perceptível, o casal não a considerava como filha. Frisou chegar-se a essa conclusão pelo beneficiamento único do recorrido como herdeiro, sem que a inventariante, mãe adotiva do recorrido, agisse de alguma forma para sanar a possível irregularidade e outorgar à ora interessada status de filha socioafetiva do casal. Diante dessas razões, entre outras, a Turma negou provimento ao recurso. REsp 1.189.663-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/9/2011.

Como de costume, antesde analisar o julgado passo a debater a Investigação de Paternidade prevista nos artigos 1.607 a 1.617 do Código Civil, os quais transcrevo na íntegra:


  • Art. 1.607. O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente.

  • Art. 1.608. Quando a maternidade constar do termo do nascimento do filho, a mãe só poderá contestá-la, provante a falsidade do termo, ou das declarações nele contidas.

  • Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
  • I - no registro do nascimento;
  • II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
  • III - por testamento, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém;
  • IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
  • Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

  • Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.

  • Art. 1.611. O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro.

  • Art. 1.612. O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconehceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor.

  • Art. 1.613. São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho.

  • Art. 1.614. O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.

  • Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.

  • Art. 1.616. A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.

  • Art. 1.617. A filiação materna ou paterna pode resultar de casamento declarado nulo, ainda mesmo sem as condições do putativo.


Como o assunto versa sobre adoção X guarda, entendo relevante trazer para debate os artigos que sobre isso tratam no Estatuto da Criança e do Adolescente:


  • Art. 33. A guarda obriga à prestação de eassistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
  • §1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
  • §2º Excepcionalmente, deferir-sea a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.

No caso do julgado de hoje, o STJ fez uma relação importante entre filiação socioativa e a intenção de adotar. Isto porque ficou demonstrado nos autos que os supostos adotantes em momento algum tiveram o ânimo de adotar, já que o registro foi feito me nome da mãe biológica e o casal inclusive adotou outra pessoa mais tarde, demonstrando que se também o quisesse teria feito com a Recorrente.

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, "Nessa espécie de fialiação, entrecruzam-se duas verdades. De um lado, a verdade biológica, pela qual o filho sabidamente não porta a herança genética do pai ou mãe. De outro, a verdade socioafetiva, manifestada por condutas do adulto em relação à criança ou adolescente, na intimidade da família e nas relações sociais, que se assemelham às de qualqeur outra filiação. Nessa espécie de fialiação, averdade socioafetiva prepondera sobre a biológica (Fachin, 2003a:22/30). Se o marido ou companheiro da mãe sabe não ser o genitor do filho dela, mas o trata como se fosse o pai, do vínculo de afeto surge o da filiação. Igualmente, se a esposa acolhe o filho que o cônjuge teve em relacionamento extraconjugal e o cria e educa como dela, vira mãe do rebento."

Nestes casos, o pai não tem mais direito à negatória de paternidade fundada na inexistência de transmissão de herança genética, já que cuidou de alguém como se fosse seu filho, estabelecendo-se, portanto, a filiação socioafetiva. A jurisprudência vem aceitando esta teoria em razão do aumento de casos de rompimento de casais, em que o pai ao sair do lar conjugal também pretende o rompimento dos vínculos afetivos, já que não havia herança biológica.

Todavia, Fábio Ulhoa Coelho descata em sua obra exatamente o ponto tratado no acórdão:

  • "A filiação socioafetiva constitui-se pela manifestação do afeto e cuidados próprios das demais espécies de filiação entre aquele que sabidamente não é genitor ou genitora e a pessoa tratada como se fosse seu filho".

Finalmente, é importante ressaltar que nos casos de lide diversas, como troca de bebês e outros temas assim relacionados, a jurisprudência não concede prioridade para a filiação socioafetiva, determinado a "destroca" para se adequar aos preceitos biológicos/genéticos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário